Questão 595287: Resisti a entrar para o Facebook e, mesmo quand...

Resisti a entrar para o Facebook e, mesmo quando já fazia parte de sua rede, minha opiniãosobre ela não era das melhores: fragmentação da percepção, e portanto da capacidade


Resisti a entrar para o Facebook e, mesmo quando já fazia parte de sua rede, minha opinião
sobre ela não era das melhores: fragmentação da percepção, e portanto da capacidade
cognitiva; intensificação do narcisismo exibicionista da cultura contemporânea; império do
senso comum; indistinção entre o público e o privado. Não sei se fui eu quem mudou, se foram
5   meus “amigos” ou se foi a própria rede, mas, hoje, sem que os traços acima tenham deixado
de existir, nenhum deles, nem mesmo todos eles em conjunto me parecem decisivos, ao menos
na minha experiência: agora compreendo e utilizo a rede social como a televisão do século XXI,
com diferenças e vantagens sobre a TV tradicional.
A internet, as tecnologias wiki de interação e as redes sociais têm uma dimensão, para usar
10   a expressão do escritor Andrew Keen, de “culto do amador”, mas tal dimensão convive com
o seu oposto, que é essa crítica da mídia tradicional pela nova mídia, cujos agentes muitas
vezes nada têm de amadores. Assim, a metatelevisão do Facebook opera tanto selecionando
conteúdo da TV tradicional como submetendo-o à crítica. E faz circular ainda informações que
a TV, por motivos diversos, suprime. Alguns acontecimentos recentes, no Brasil e no mundo,
15   tiveram coberturas nas redes sociais melhores que nos canais tradicionais. A divergência é uma
virtude democrática, e as redes sociais têm contribuído para isso (e para derrubar ditaduras
onde não há democracia).
A publicização da intimidade, sem nenhuma transfiguração que lhe confira o estatuto de interesse
público, é muito presente na rede. Deve-se lembrar, entretanto, que redes sociais não são
20   exatamente um espaço público, mas um espaço privado ampliado ou uma espécie nova e híbrida
de espaço público-privado. Seja como for, aqui também é o usuário que decide sobre o registro
em que prevalecerá sua experiência. E não se deve exagerar no tom crítico a essa dimensão; o
registro imaginário, narcisista, de promoção do eu é humano, demasiadamente humano, e até
certo ponto necessário. Deve-se apenas relativizá-lo; ora, essa relativização vigora igualmente
25   nas redes sociais. Além disso, a publicização da intimidade não significa necessariamente
autopromoção do eu. Ela pode ativar uma dimensão importante da comunicação humana.
Roland Barthes, escritor francês, costumava dizer que a linguagem sempre diz o que diz e ainda
diz o que não diz. Por exemplo, ao citar o nome de Barthes, estou, além de dizer o que ele
disse, dizendo que eu o li, que sou um leitor culto. Esse tema do que passa por meio de,
30   indiretamente, era importante para Barthes. Ele adorava o caso da brincadeira de passar o anel,
onde o que está em jogo é tanto o roçar das mãos quanto o destino do objeto. Pois bem, fui
percebendo que a escrita nas redes sociais é uma forma de roçar as mãos, tanto quanto de
saber, afinal, onde foi parar o anel. O indireto dessa escrita, o que por meio dela se diz, é uma
pura abertura ao outro.
FRANCISCO BOSCO
Adaptado de Alta ajuda. Rio de Janeiro: Foz, 2012.
No primeiro parágrafo, o autor introduz uma discussão a respeito das redes sociais. Essa introdução está organizada a partir do seguinte procedimento: