Texto associado. Leia o excerto a seguir, extraído do primeiro capítulo de A cidade e as serras , para responder a questão,
- Aqui tens tu, Zé Fernandes - começou Jacinto, encostado à janela do mirante -, a teoria que me governa, bem comprovada. Com estes olhos que recebemos da Madre natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada. Mais nada! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples dum binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geleia e caixas de ameixa seca. Concluo portanto que é uma mercearia. Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia dum astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e tremenda! Tens aqui pois o olho primitivo, o da Natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreenderás o meu princípio.
(Queirós, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: Ateliê, 2007, p. 63-64)
Leia o fragmento a seguir, extraído do primeiro
capítulo de Memórias póstumas de Brás Cubas,
para responder a questão. Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo
princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar
o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso
vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações
me levaram a adotar diferente método: a primeira é que
eu não sou propriamente um autor defunto, mas um
defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a
segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais
novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a
pôs no introito, mas no cabo; diferença radical entre este
livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma
sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela
chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos,
rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos
contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.
Onze amigos! (...)
(ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas .
São Paulo: Ateliê, 2001, p. 69) Memórias póstumas de Brás Cubas, obra
inaugural do Realismo no Brasil, apresenta vários
procedimentos literários que configuram o estilo
de Machado de Assis. Dentre esses procedimentos,
a leitura dos primeiros parágrafos do romance já
permite identificar
a) alinearidade na composição do enredo, visto que
a personagem inicia o relato pelo final da história,
transgredindo a sequência cronológica de sua biografia.
b) imparcialidade no tratamento da matéria narrada, pois
Brás Cubas é fiel à realidade de sua época e confere
objetividade ao narrar os fatos.
c) rigorosa reflexão sobre o ato de escrever, pois Brás
Cubas revela ao leitor o desejo de conferir precisão e
cientificidade ao seu texto.
d) modéstia quanto às habilidades literárias do narrador,
uma vez que Brás Cubas considera sua obra fruto de um
“defunto autor”, e não de um autor verdadeiro.