O maior dos acontecimentos recentes — que
“Deus está morto”, que a crença no Deus cristão
caiu em descrédito — já começa a lançar suas
primeiras sombras sobre a Europa. Mas no
principal pode-se dizer: o próprio acontecimento
é grande demais, distante demais, demasiado
à parte da capacidade de apreensão de muitos
para que sequer sua notícia pudesse já chamar-se
chegada:sem falar que muitosjá soubessem o que
propriamente se deu com isso — e tudo quanto,
depois de solapada esse crença, tem agora de cair,
porque estava edificada sobre ela, apoiado a ela,
arraigado nela; por exemplo, toda a nossa moral
europeia. De fato, nós filósofos e “espíritos livres”
sentimo-nos, à notícia de que “o velho Deus está
morto”, como que iluminados pelos raios de
uma nova aurora; nosso coração transborda de
gratidão, assombro, pressentimento, expectativa
— eis que enfim o horizonte nos aparece livre
outra vez, posto mesmo que não esteja claro,
enfim podemos lançar outra vez ao largo nossos
navios, navegar a todo perigo, toda ousadia do
conhecedor é outra vez permitida, o mar, nosso
mar, está outra vez aberto, nunca dantes houve
tanto mar aberto.
NIETZSCHE, F. W. A Gaia Ciência. In: Obras incompletas . Tradução
de Rubens Rodrigues Torres Filho. 3ª ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1983, p. 211-212 (adaptado).
A expressão “Deus está morto”, utilizada no texto,
refere-se
a) à eliminação das restrições morais e religiosas
aos procedimentos científicos.
b) à diminuição da quantidade de fiéis na Europa
voltados à crença no Deus cristão.
c) à impossibilidade de qualquer crença em um
Deus, pois se prova que Ele não existe.
d) a uma metáfora da morte como destruição dos
fundamentos morais da civilização europeia.
e) ao contexto da Europa no final do século XIX,
que foi invadida pelassombras da falta de moral
e do ateísmo.