TEXTO
No Mundo das Letras
( 95) Vem à livraria nas horas de maior
( 96) movimento, mas isso, já se sabe, é de
( 97) propósito: facilita-lhe o trabalho.
( 98) Rouba livros. Faz isso há muitos anos,
( 99) desde a infância, praticamente. Começou
(100) roubando um texto escolar que precisava
(101) para o colégio: foi tão fácil que gostou; e
(102) passou a roubar romances de aventura, livros
(103) de ficção científica, textos sobre arte,
(104) política, ciência, economia. Aperfeiçoou tanto
(105) a técnica que chegava a furtar quatro, cinco
(106) livros de uma vez. Roubou livros em todas as
(107) cidades por onde passou. Em Londres, uma
(108) vez, quase o pegaram; um incidente que
(109) recorda com divertida emoção.
(110) No início, lia os livros que roubava.
(111) Depois, a leitura deixou de lhe interessar. A
(112) coisa era roubar por roubar, por amor à arte;
(113) dava os livros de presente ou simplesmente
(114) os jogava fora. Mas cada vez tinha menos
(115) tempo para ir às livrarias; os negócios o
(116) absorviam demais. Além disso, não podia,
(117) como empresário, correr o risco de um
(118) flagrante. Um problema – que ele resolveu
(119) como resolve todos os problemas, com
(120) argúcia, com arrojo, com imaginação.
(121) Zás! Acabou de surrupiar um. Nada de
(122) espetacular nessa operação: simplesmente
(123) pegou um pequeno livro e o enfiou no bolso.
(124) Olha para os lados; aparentemente ninguém
(125) notou nada. Cumprimenta-me e se vai.
(126) Um minuto depois retorna. Como é que
(127) me saí, pergunta, não sem ansiedade.
(128) Perfeito, respondo, e ele sorri, agradecido. O
(129) que me deixa satisfeito; elogiá-lo é não
(130) apenas um ato de compaixão, é também uma
(131) medida de prudência. Afinal, ele é o dono da
(132) livraria.
SCLIAR, Moacyr. No Mundo das Letras. In: SCLIAR, Moacyr; FONSECA, Rubem; MIRANDA, Ana. Pipocas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.