Leia a crônica Ovo frito , de Rubem Alves (1933-2014).
Gosto muito de ovo. Ovo frito. Ovo escaldado, com pão torrado. Coisa boba, o fato é que comecei
a pensar sobre as razões por que gosto de ovo. Lembrei-me... Meu pai era viajante. Passava a
semana fora de casa. Voltava às sextas-feiras, no trem das oito. Noite escura, o trem das oito vinha
apitando na curva, resfolegando de cansado, expelindo enxames de vespas vermelhas, chamuscava
uma paineira, entrava na reta, passava a dez metros da nossa casa, todos nós estávamos lá, o pai
com a cabeça de fora, sorrindo, e todos corríamos para a estação. Ele vinha com fome e sujo. Água
quente não havia. Mas não tinha importância. Da leitura do Evangelho havíamos aprendido de Jesus,
no lava-pés, que quem está com os pés limpos tem o corpo inteiro limpo. A coisa, então, era lavar
os pés. E esse era o costume geral lá em Minas. Minha mãe esquentava água no fogão de lenha,
punha numa bacia e eu lavava os pés do meu pai. Depois de limpo, ele se assentava à mesa e o
que tinha para comer era sempre a mesma coisa: arroz, feijão, molho de tomate e cebola, ovo frito
e pão. Ele me punha assentado ao joelho e comia junto. Ah, como é gostoso comer pão ensopado
no molho de tomate, pão lambuzado no amarelo mole do ovo! Era um momento de felicidade.
Nunca me esqueci. Acho que quando enfio o pão no amarelo mole do ovo eu volto àquela cena da
minha infância. Os poetas, somente os poetas, sabem que um ovo é muito mais que um ovo...
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes afirmações sobre a crônica.
( ) Defende a importância de comer ovos.
( ) Relata que o trem em que o pai chegava trazia também criadores de vespas.
( ) Mostra que lavar os pés antes das refeições era um hábito importante, quase sagrado.
( ) Apresenta a memória como elemento essencial para a literatura.